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Agora Sim Vale Ouro
Sebastião Buck Tocalino, 21 de abril de 2020

O objetivo de qualquer poupador é formar uma reserva de capital que lhe proporcione um futuro melhor. No entanto, a inflação monetária desvaloriza a moeda e aumenta o custo de vida. O dinheiro poupado perde poder aquisitivo. Sendo assim, economizar sem investir, não é uma opção inteligente. Se o dinheiro perde valor, mais vale convertê-lo logo em benefícios imediatos e bens tangíveis.

Investir envolve decisões não tão fáceis. Existem diferentes classes de ativos financeiros, como: títulos de renda fixa, ações e fundos. Por sua vez, cada uma dessas classes inclui mais alternativas a serem consideradas. Uma decisão errada não implica apenas em menor rentabilidade. A escolha pode se mostrar incapaz de acompanhar a inflação, perdendo poder aquisitivo. E, não raramente, o retorno pode trazer algum prejuízo ao capital inicial. Até na renda fixa, quando o resgate for feito antes do vencimento, o retorno poderá ser menor que a aplicação. Mesmo sem fazer resgate, quando outros fazem, a pressão vendedora desvaloriza os títulos e, consequentemente, desvaloriza a carteira do fundo. No cálculo do patrimônio e do valor das cotas, os títulos são precificados a mercado. Este ano, quem investiu em fundos de renda fixa, achando-se protegido pela nomenclatura, deve ter se frustrado ao perceber que a rentabilidade não é nada fixa. 


A verdade é que todo tipo de investimento envolve risco. Quanto maior o potencial de lucro, maior o risco de prejuízo. Por isso tanta gente deixa essas decisões nas mãos de profissionais do mercado financeiro. Porém, com cada vez menos bancos e juros menores, a pressão é enorme para que os gerentes de contas se façam vendedores dos interesses do próprio banco. Infelizmente, mesmo os investidores institucionais encaram suas incertezas na hora de analisar o mercado e investir o capital alheio. Podem não admitir ou deixar transparecer, por motivos óbvios de marketing pessoal ou empresarial, mas sua assertividade profissional nem sempre se revela nos resultados obtidos.

O primeiro livro que li sobre mercado de ações, em 1998, já alertava que cerca de 20% dos gestores são capazes de superar o benchmark do mercado. Os demais 80% são remunerados para entregar resultados inferiores ao índice de referência. Esta constatação levou cada vez mais firmas de investimentos a criar fundos de gestão passiva, ou seja, carteiras automaticamente espelhadas na composição dos próprios índices de ações. Assim, pouparam tempo, preocupações e gastos com gestores, além de ganharem eficiência e agradarem os clientes. Normalmente, esses fundos têm uma taxa de administração bem reduzida. 

Navegando pelo site de uma corretora que utilizo, vejo uma absurda quantidade de fundos apresentando prejuízos em 2020. Dentre cerca de duas centenas de fundos listados em vermelho, alguns acumulam perdas de 65% em menos de quatro meses. Ironicamente, esses campeões de prejuízo cobram taxas de administração de 2% ao ano. Com a taxa SELIC a 3,75% ao ano, é problemático que um fundo cobre mais da metade disso para, em poucos meses, entregar um prejuízo de 65%! Note que o Ibovespa, no mesmo período, acumula perdas de 32%. Essa gestão ativa gerou um prejuízo duas vezes maior que o do índice Ibovespa. Uma frustração enorme para qualquer poupador.

Dentre os poucos destaques positivos, listados em azul na mesma corretora, estão justamente as carteiras que menos dependem de gestão ativa e análise econômica. Atrelados ao dólar, os fundos cambiais tiveram um excelente desempenho. Mas o grande destaque é um único fundo (distribuído por esta corretora) cuja carteira está atrelada ao ouro.

Aqui, preciso fazer um comentário importante. Em 2011, quando o ouro subia forte pelo receio de inflação, eu descartei a alta do metal como meramente especulativa. Na época, o Federal Reserve fazia sua segunda rodada de Quantitative Easing (QE). O recorrente afrouxamento monetário criava ainda mais dólares e, para muitos, alimentava um receio de inflação. Meu ponto de vista era o oposto. Naquele ano em que o ouro marcava seu recorde, eu publiquei um longo artigo sobre a desalavancagem econômica e minhas expectativas para os preços no comércio (leia o artigo aqui).  

Segundo minha análise, a expansão monetária seria incapaz de gerar inflação significativa. Em vez disso, apostei na valorização da moeda americana. Na ocasião, o dólar era cotado a R$ 1,77. De fato, o afrouxamento monetário pouco se refletiu na demanda de consumo. Basicamente, só mitigou a enorme pressão deflacionária, proveniente da demografia e da contração do crédito. A inflação não se materializou nos EUA. O ouro se desvalorizou e, como eu havia dito, o dólar se fortaleceu no ambiente internacional. Dos então R$ 1,77, triplicou de valor, chegando aos atuais R$ 5,28.


Minha visão hoje é diferente de quase uma década atrás. Fico devendo um texto específico sobre a moeda americana. Já é um projeto meu, mas, por ser uma abordagem mais complexa, ainda não tive tempo de colocá-la em artigo. Por hora, apenas registro aqui a inversão da minha aposta otimista para o dólar, que já surtiu efeito durante nove anos. Vou é abordar o metal precioso que antes descartei em favor da moeda americana. 

De fato, o ouro não é um ativo financeiro. Warren Buffett já disse: "[O ouro] é extraído do subsolo na África, ou noutro lugar qualquer. Então derretemo-lo, cavamos outro buraco, enterramo-lo novamente e pagamos às pessoas para vigiá-lo. Não tem utilidade. Qualquer um que estivesse assistindo isso de Marte estaria coçando a cabeça."

Contudo, o ouro não pode ser feito pelo homem, como os diamantes sintéticos. Tampouco pode ser criado como a maior parte do dinheiro do mundo: digitando-se números nos computadores dos bancos centrais. Todo o ouro já extraído da Terra tem aproximadamente o volume de um cubo com arestas de 20,7 metros. Se considerarmos uma piscina olímpica de 3 metros de profundidade (50m x 25m x 3m), seriam precisas duas piscinas e meia para acomodar esse ouro. Se é verdade que o ouro não produz inovações ou avanço econômico, pelo menos ele ainda se faz útil como reserva de valor patrimonial. Algo bastante relevante diante da hipótese que contemplo adiante. 

O mundo está à mercê de uma nova e maior avalanche monetária. Vão tentar monetizar muitas dívidas, compromissos políticos e sociais, além dos sérios imprevistos jamais provisionados. Banco centrais farão de tudo para evitar falências e calotes privados ou públicos (federais, estaduais e municipais), financiar o sistema de saúde, sustentar fundos de pensão e o pagamento de aposentadorias, além da assistência aos desempregados. Se não o fizerem, terão de encarar um levante popular e uma escalada de juros. As taxas atuais não precificam os crescentes riscos da economia, já tão complicada pelo endividamento absurdo e pelas consequências desta pandemia.

O ouro, cotado em dólares, pode parecer novamente caro demais. Veja que ele está só um pouco abaixo daquele recorde histórico de 2011. Se o considerei especulativo demais naquela época, lembre-se que minha perspectiva para o dólar e para a inflação era diferente. 


Não sou nenhum Einstein, mas acredito que a relatividade seja útil para avaliarmos produtos e desempenhos distintos. Se quisermos ter uma visão mais relativa do potencial para a apreciação do ouro, é importante observar a razão entre seu histórico e o das ações também cotadas em dólares. No gráfico abaixo eu dividi os preços históricos do ouro pelos níveis históricos do S&P500.

Em relação ao desempenho das ações nos EUA, o belo metal parece bastante barato. Se as ações seguirem de lado, para que o metal volte ao topo de 2011, ele poderia tranquilamente mais que dobrar seu valor atual.


Mas deixemos de lado as ações e concentremo-nos na própria moeda americana. O próximo gráfico mostra o ouro dividido pela base monetária dos EUA. 


Essa base monetária, no entanto, é divulgada com atraso de meses. Por isso, uma comparação mais útil e atual pode ser feita com a carteira de ativos do Federal Reserve System (proxy para a base monetária). Este dado é atualizado semanalmente, às quartas-feiras, e nos permite ver que esta razão já está próxima de seus menores níveis históricos (dez/2015 e jan/2016).


Outra forma de observar o potencial de apreciação do ouro é usar o agregado monetário prontamente acessível ao consumo. M1 é o estoque de dinheiro que compreende moeda física, depósitos à vista e cheques de viagem (traveler's checks).


O agregado M2 inclúi o anterior M1, além de cadernetas de poupança, títulos de renda fixa, fundos do mercado monetário, fundos mútuos, certificados de depósito e aplicações a prazo. Também examinei o preço do ouro em relação a esse estoque de dinheiro nos EUA.


O último agregado monetário aqui é o estoque de dinheiro conhecido como Money Zero Maturity, ou simplesmente MZM. Esse é um cálculo do estoque monetário líquido na economia, excluindo então os depósitos a prazo e os certificados de depósitos que fazem parte de M2.


Diante das políticas monetárias deste século, não admira que o preço do ouro esteja atrasado em relação aos agregados monetários. O que muda daqui para frente é minha expectativa de acesso ao dinheiro pela economia real. Até agora o afrouxamento monetário circulava quase que exclusivamente pela indústria financeira, inflacionando apenas ações, derivativos e títulos públicos e corporativos. Também temo uma redução na oferta de bens intermediários para a cadeia produtiva. Mais dinheiro circulando nas ruas e menor oferta de produtos pode ressuscitar uma inflação que já não se via no hemisfério norte há algum tempo. 

O que mais impressiona é a comparação entre o ouro e a Bitcoin. A criptomoeda que se apresentava como uma alternativa mais restrita para a desavergonhada expansão monetária dos bancos centrais, ironicamente, deu origem a uma ampla família de diferentes criptomoedas. Suas variedades e quantidades também se expandem continuamente. E o preço da Bitcoin continua muito alto em relação ao ouro.


Essa razão entre a cotação do ouro e da Bitcoin tornou-se tão absurda no tempo, que, para efeitos de uma melhor visualização, excluí os primeiros anos, já que relacionavam o pico do ouro com o começo ainda pouco popularizado da Bitcoin.


Mesmo assim, notamos que, se a Bitcoin se estabilizasse na atual faixa de preço, o ouro ainda teria que aumentar 24 vezes sua cotação atual para voltar à mesma razão verificada no início de 2015. Ou valorizar-se 8 vezes para regressar ao nível comparativo de junho de 2016.

Embora a tecnologia blockchain seja bastante revolucionária e promissora. A multiplicidade dessas criptomoedas atuais me parece até uma tentativa de reinventar a roda. Não vejo muita vantagem em trocar uma moeda fiduciária tradicional por alguma dessas criptomoedas, também fiduciárias e sem lastro...

Por essas razões, o ouro me parece o melhor candidato para uma tendência de valorização mais longa. Claro que posso estar enganado... E cabe sempre a cada investidor assumir responsabilidade por suas próprias decisões.

Sem dúvida, Warren Buffett é uma autoridade na análise de empresas e na descoberta de ações baratas e subestimadas pela maioria dos investidores. Não questiono esse fato. Eu também o admiro muito. Mas quem segue o Mago de Omaha, também deve ter os olhos abertos para outros dados relevantes. Mesmo sem produzir nada, e se justificando apenas como reserva de valor patrimonial, o ouro superou o desempenho das ações da Berkshire Hathaway por muitos anos. Nos últimos 21 anos (de janeiro de 1999 ao dia 19 de abril de 2020), o ouro se valorizou em 488,19%, enquanto as ações da companhia de Buffett se valorizaram em 344,65%.

Para os que já trazem o argumento dos dividendos na ponta da língua, lembro que Warren Buffett reinveste os dividendos na própria holding, em vez de distribuí-los aos acionistas. A empresa pagou dividendos apenas uma vez, em 1967. Buffett, mais tarde, até brincou que ele deveria ter ido ao banheiro quando essa decisão foi tomada.


Os numerosos fãs de Warren Buffett deveriam manter seus horizontes mais abertos e seus pensamentos mais flexíveis. Pouco ganham ao repetir palavras como beatos religiosos reverenciando um messias. Se frases de efeito merecem consideração, não se esqueçam do que disse J.P. Morgan, magnata da indústria financeira: "Ouro e prata são dinheiro... Todo o resto é crédito." Norm Franz, autor do livro "Money & Wealth in the New Millennium" (de 2002), foi ainda mais mordaz na sua definição de dinheiro: "Ouro é o dinheiro da realeza, prata é o dinheiro dos cavalheiros, escambo é o dinheiro dos camponeses - mas dívida é o dinheiro dos escravos."

Modestamente, eu prefiro parafrasear o argumento de Deng Xiaoping, ao revolucionar a economia chinesa: pouco importa a cor do gato, pois gato bom é aquele que apanha o rato!

Para quem procura uma alternativa para a posse de ouro físico, um fundo de investimento multimercado da Órama aceita aportes a partir de mil reais e tem a maior parte do seu patrimônio em ouro (negociado na BM&F), sendo que o restante está predominantemente em títulos públicos. Sua carteira pode ser consultada aqui e a página do fundo é esta.

Copyright © Sebastião Buck Tocalino


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