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Mercados, Juros e Subterfúgios

Sebastião Buck Tocalino, 29 de janeiro de 2016

 

Quanto à elevação dos juros básicos norte-americanos, eu a descartei durante muito tempo. Finalmente, no mês passado (dez/2015), o FOMC deliberou pelo aumento da taxa em 0,25%, depois de vários anos de juros nominais quase zerados (ZIRP, zero interest rate policy). Essa semana houve nova reunião e os juros permaneceram na mesma, com o teto da meta dos Fed Funds em 0,5% ao ano.

De fato, a razão para essa pequena alta dos juros nos EUA pouco tem a ver com alguma retomada econômica, baixo desemprego ou qualquer ameaça inflacionária. Inflação por lá não é problema (caso bem diferente do nosso!). De qualquer forma, o verdadeiro motivo não foi declarado. Talvez fosse um puxão de orelhas no mercado de ações, na intenção de conter as altas dos principais índices de ações por lá. Mas tal atitude também tem outro efeito bastante interessante. Ela enfraquece o temível Estado Islâmico! A alta dos juros nos EUA acaba por fortalecer o dólar e, consequentemente, depreciar o petróleo. Ainda que isso seja ruim para os EUA em vários sentidos (por exemplo: várias empresas americanas de petróleo estão notoriamente alavancadas em dívidas), o petróleo mais barato, assim como foi determinante na insolvência da União Soviética na década de 1990, também poderá causar sérios problemas para a disponibilidade financeira do Estado Islâmico. Apesar de nada ter a ver com os objetivos institucionais e declarados do FOMC (Federal Open Market Committee) ou do Federal Reserve System (Banco Central dos EUA), esse é um fator bastante importante e tem que ser levado em conta no atual cenário geopolítico.

Os noticiários internacionais já revelaram na semana passada que o apoio financeiro fornecido pelo Estado Islâmico aos seus militantes foi reduzido pela metade! Uma redução bastante expressiva e coerente com a queda no preço do petróleo, que chegou a ser cotado em US$ 27 na mesma semana, pouco mais de um mês depois da elevação da taxa de juros nos EUA.

Para quem acha improvável que o FOMC esteja observando outros aspectos que não a vigília da inflação e do desemprego, aos quais formalmente deveriam estar atentos, deixo as questões:

Por que aumentariam os juros quando a inflação ainda se mostrava bem mais baixa que na maior parte dos vários anos anteriores?

EUA: juros e inflação

Por que juros mais altos quando a participação da população civil na força de trabalho encontra-se tão baixa?

EUA: juros e participação laboral

A alteração no cálculo da taxa de desemprego oficialmente divulgada nos EUA, depois da crise de 2008, roubou-lhe a credibilidade. Por isso, a taxa de participação da população civil na força de trabalho me parece bem mais relevante.

Resta saber até quando o FOMC será capaz de manter sua atual política econômica, uma vez que a economia já mostra importantes desafios à frente.

Segundo a divulgação oficial de ontem (28-jan-2016), as encomendas de bens duráveis nos EUA despencaram 5,1%. Se isso não bastasse, os dados anteriores também foram submetidos a uma revisão para baixo!

EUA: novas encomendas de bens duráveis

Juntamente a essas quedas nas encomendas de bens duráveis, que por si só já são preocupantes, outros dados sugerem potenciais problemas à frente:

A desaceleração do crescimento e dos gastos pessoais dos americanos...

EUA: PIB e gastos pessoais

A desaceleração e já contração da produção industrial nos EUA...

EUA: produção industrial

O enfraquecimento das condições para a indústria manufatureira e uma queda nas vendas de habitações já existentes...

EUA: manufatura e vendas de casas existentes

Uma desaceleração nos números das folhas de pagamento e horas trabalhadas em empregos fora da atividade agropecuária rural...

EUA: empregos e horas trabalhadas

E a diminuição dos lucros das empresas em relação ao produto interno bruto dos EUA...

EUA: lucros corporativos

Pelo que venho observando, diferentes bancos centrais cometeram erros nos últimos anos. O do Brasil foi um exemplo, corrigido com um verdadeiro "cavalo de pau" na tendência dos juros. Mas se no caso brasileiro, o erro foi para baixo, outros bancos centrais, de economias mais avançadas, se precipitaram em uma inversa e prematura elevação dos juros. Na Suécia, tentaram puxar a carroça à frente dos bois: em 2010, os juros suecos (de 0,25% a.a.) estavam no mesmo patamar do FED, mas o Sveriges Riksbank imaginou que haveria espaço para iniciar uma alta dos juros. A alta durou pouco mais de um ano, antes que fossem forçados a reconhecer o erro e voltar a baixar os juros. Hoje a taxa lá se encontra NEGATIVA!

Juros Suecos

Crises econômicas sempre vêm e vão. Mas esta não: ela é diferente, complexa, demográfica e exacerbada pelo endividamento generalizado. Ela veio para ficar por muito mais tempo!

O reiteradamente desesperado BoJ (Banco Central do Japão) decidiu hoje (29-jan-2016) negativar a taxa de juros por lá. A taxa de depósito de +0,1% a.a., que o banco central pagava para custodiar o dinheiro dos bancos comerciais excedente às reservas obrigatórias, passa agora a ser negativa em -0,1%. O desespero é óbvio na tentativa de empurrar crédito à força e ressuscitar tanto a inflação como o dinamismo econômico. Aquela velha utopia do foie gras (fuagrá) financeiro, sobre o qual já escrevi anos atrás, parece jamais ter fim. Se ao menos o crédito dependesse de uma decisão unilateral dessas...

A situação realmente não parece permitir uma alta dos juros, como no recente caso dos EUA, mas também é bobagem e perigoso forçar taxas negativas, como no caso da Europa e do Japão, pois o crédito não pode ser empurrado à força numa sociedade que envelhece e se vê diante de uma menor população economicamente ativa nos próximos anos. Tal comportamento falacioso parece típico do planejamento central de um presunçoso Politibüro dos tempos da guerra fria. A ansiedade de estipular o preço do dinheiro (leia meu texto sobre taxa de juros) artificialmente acima ou abaixo daquele que seria natural e bilateralmente alcançado pelo equilíbrio entre a oferta e a demanda de capital no mercado, bem como uma avaliação do risco embutido, está fadada ao fracasso no longo prazo. É só uma questão de tempo. Nossa economia de mercado está sucumbindo aos próprios exageros capitalistas gananciosos e à ausência ou inadequação de regulamentações preventivas e éticas. Agora, já desesperada, tenta corrigir seus excessos cometendo ainda mais erros.

Não sou nenhum profeta do apocalipse, nem sinto qualquer mórbido prazer pessoal ao ver coisas tristes e desagradáveis acontecendo. Além disso, para meu próprio benefício, seria muito mais fácil e desejável obter rentabilidade nos investimentos com um cenário positivo para os mercados. Entretanto, a economia, não só brasileira como mundial, já se mostra muito mais problemática do que gostaríamos de crer. Mesmo assim, posso me orgulhar de ter permanecido suficientemente lúcido e antecipadamente alerta para vários fatos que vêm se desenrolando nos últimos anos.

Para não deixar dúvidas, publiquei algumas análises bastante certeiras! Fazer uma análise econômica e redigir conclusões próprias e objetivas sobre o futuro é expor a face à férula de muitos leitores, colegas investidores e profissionais do mercado.

Em 2011, com o dólar ainda em R$ 1,77, eu compilei minhas razões e argumentos para apostar na valorização da moeda dos EUA. Para muita gente naquela época, eu parecia até blasfemar, uma vez que o banco central norte-americano vinha imprimindo dólares como nunca antes. Com tamanha expansão da base monetária nos EUA, a maior parte das pessoas apostava na desvalorização do dólar. Ora, a moeda já vinha perdendo valor por muitos anos no mercado internacional. Mesmo antes do início do Quantitative Easing (QE = impressão de dólares).

Podemos até lembrar a notória derrocada da Sadia, anos antes. A forte e tradicional empresa de alimentos brasileira havia acreditado tanto na continuidade da desvalorização do dólar, que se permitiu um abuso fatal! Em um exercício de inaceitável audácia especulativa, muito mais cabível à ousadia de algum hedge fund do que ao espectro de atividades esperadas de qualquer indústria alimentícia, a Sadia se afundou alavancada em uma enorme aposta contra o dólar no mercado de derivativos cambiais. O equívoco gerou gigantescos R$ 2,5 bilhões de perdas em 2008 e o primeiro resultado negativo em 64 anos de história da empresa! O prejuízo contabilizado foi tamanho que, enfraquecida, a empresa submeteu-se à concorrente (uma vez associada à Perdigão, viria a dar corpo à atual Brazil Foods S.A.). Mesmo assim, aquela efêmera apreciação do dólar parecia estar mais relacionada a uma aversão ao risco e à fuga de capital de outros mercados mundiais. O dólar voltou a cair mais tarde, chegando a R$ 1,65 em outubro de 2010.

dólar em 2010

Aos olhos de muitos, aquela efêmera apreciação ocorrida entre 2008/2009 pareceu um espasmo temporário. Parecia-lhes mais sensato acreditar que a desvalorização do dólar só poderia e deveria continuar, ou mesmo se acentuar, devido à desesperada impressão de moeda norte-americana que se iniciou ao fim de 2008. Com tantos dólares novinhos chegando ao sistema financeiro, o argumento era de que o inchaço da base monetária, só poderia gerar ainda maior queda do poder aquisitivo do dólar.

EUA: base monetária

Minha análise foi antagônica a tais expectativas e enfaticamente favorável ao dólar. Dos R$ 1,77 na época (2011), o dólar já alcançou os R$ 4,19 neste início de 2016. Um ganho denominado em R$ de 137% em pouco mais de 4 anos. Mas essa expressiva mudança cambial não se deve apenas a nossa própria crise econômica e vexante situação política. Mesmo diante das principais moedas internacionais, o dólar se valorizou, como podemos ver abaixo.

índice do dólar

Também quanto ao petróleo, minha análise de agosto de 2014 (exatamente o mês que precedeu o início da derrocada do petróleo), embora incômoda para muitos leitores, foi recompensada pelos eventos que pudemos observar dali em diante.

BDRs da Petrobras nos EUA

Claro que o bom resultado de minhas análises anteriores não confere qualquer garantia de infalibilidade à minha atual perspectiva para a economia... Mas creio que, ainda por uns bons anos, ficarei devendo as saudosas palavras e mensagens de otimismo que tanto e tantos gostaríamos de ouvir.

 

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